quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Fria como uma lápide

 

Em Djajaperre, cidade vibrante e promissora sob o sol ameno, onde o clima é sempre favorável para qualquer atividade, seja ela de comércio, indústria, arte ou turismo, vivia Sybill Kaprinski, uma jovem de cabelos e pele clara, herdeira de uma fábrica de mármore e granito. Seus olhos, da cor da noite sem estrelas, contrastavam com o sorriso cálido que oferecia aos clientes. Sybill, apesar de mostrar-se sempre sorridente para sua clientela, era conhecida por sua frieza, gélida como as lápides que sua fábrica produzia. Não era antipática, mas no entanto, não exalava perfumes em seus gestos e nem tão pouco poesia em suas palavras. Era uma garota de poucas falas e muitas das vezes, respondia apenas com monossílabos.

            A frieza de Sybill era um verdadeiro enigma para a cidade. Uns diziam ser herança de seu pai, homem austero que comandava a fábrica com punho de ferro. Outros murmuravam sobre um amor perdido, um coração partido que se trancara em uma redoma de gelo.

            A fábrica prosperava sob a tutela de Sybill. Seus instintos aguçados para os negócios e sua obsessão pela perfeição resultavam em obras de arte esculpidas em pedra. Mármores translúcidos que pareciam capturar a luz do sol, granitos com veios que contavam histórias milenares. A fama da fábrica se espalhou, atraindo clientes de terras longínquas.

            Apesar desse enorme sucesso, Sybill permanecia distante. Seus dias transcorriam entre a agitação e o barulho fábrica e a solidão silenciosa de sua casa, um mausoléu de mármore branco onde vivia cercada por lembranças do pai e do amor que se esvaiu. Sybill quase não falava da mãe, já que a perdera para uma rara doença quando ela tinha apenas oito anos de idade. Desde então, ela fora criada pela pai e educada pela sua aia, madame Duvivier, uma senhora de fala mansa e de atitudes firmes que educava a pequena menina com conceitos inspirados na “Arte da Guerra” de Sun Tzu e nos livros de poesias clássicas de grandes escritores da Europa e do Brasil.

            Um dia, um escultor chamado Giorgio Adzurc, uma rapaz de corpo não muito atlético, cabelos longos e negros como betume e de um sorriso fácil,  chegou à cidade. Seus olhos, como brasas ardentes, contrastavam com a frieza de Sybill. Giorgio era apaixonado por sua arte, e via em cada pedra, desde o mais pequeno pedregulho até a mais enorme das rochas, uma oportunidade de dar vida a suas emoções. Giorgio era conhecido como o “poeta das pedras”!

Ao conhecer Sybill, Giorgio se encantou com sua beleza melancólica e sua mente perspicaz. Intrigado por sua frieza, ele se propôs a desvendar o enigma que a cercava. Com gentileza e persistência, Giorgio foi quebrando as barreiras de gelo que Sybill havia construído em volta do seu coração. Um dia, após muita insistência, Giorgio, enfim convenceu Sybill a encarar juntos, um projeto de criar algo enorme, tanto em valor real, quanto em valor histórico e cultural.

Juntos então, trabalharam em uma obra monumental: uma escultura que iria representar a união do fogo e do gelo. Desta forma, a pedra mais bruta daquela “floresta fria” de granito e mármore, se rendeu à paixão de Giorgio e à expertise de Sybill, transformando-se em uma obra de arte que emanava beleza e emoção. Ao ver a obra finalizada, Sybill se viu diante de um espelho. A frieza que a aprisionava por tanto tempo se estilhaçou, dando lugar a um calor que há muito tempo não sentia. Ela se rendeu ao amor de Giorgio, permitindo que a brasa de sua paixão aquecesse seu coração gélido e endurecido pelo tempo.

A história de Sybill se espalhou por Djajaperre e por todos os arredores, inspirando a todos que a ouviam. A "Fria como uma Lápide" se rendeu ao amor, mostrando que até mesmo o coração mais endurecido pode ser transformado pela paixão. A fábrica de Sybill continuou prosperando, agora com obras que emanavam não apenas perfeição técnica, mas também a beleza, a poesia e a emoção de um amor renascido.

            Sobre Giorgio, ele era rapaz de sobrenome Moretti Adzurc, nascido em Konya, Turquia, filho de mãe italiana e pai turco, Giorgio teve uma infância rica em experiências culturais. Desde cedo, foi influenciado pela beleza dos mármores de Carrara, cidade natal de sua mãe, para onde se mudou com os pais ainda na adolescência, e pela paixão do pai pelas viagens, que tinha isso como ofício. E foi justamente isso que o levou a conhecer lugares como o Brasil, a Índia e a Caxemira, onde se encantou com beleza dos granitos.    Após se formar na faculdade, Giorgio dedicou-se à escultura em mármore, pedra-sabão e granito. Sua paixão pelas artes plásticas e pelo artesanato era evidente em suas obras, que demonstravam grande talento e criatividade.  Com um espírito aventureiro e desejo de conhecer o mundo, Giorgio levou suas habilidades para diversos cantos do planeta. Sua vida era marcada pela busca incessante por novas experiências e inspirações. Apesar de sua paixão pela vida, Giorgio nunca se casou e não se prendia à ideia de relacionamentos duradouros do tipo “juntos para sempre”. Ele preferia manter sua liberdade e independência, explorando o mundo e seus diversos amores, sonhos e paixões, sempre com uma mente aberta e coração aventureiro. Sua arte, fruto de uma vida rica em experiências e culturas, serve para nos mostrar como é grande a beleza e a diversidade que existe em nosso planeta. Essa visão e opinião sobre o amor e o casamento, mudou completamente quando ele pisou em pés em Djajaperre.

            Sobre Sybill, no entanto, não se sabe o porquê que dela ter aquele comportamento frio e distante, mas isso não importa mais, pois tudo acabou perdendo a sua relevância, porque agora, para Sybill, Giorgio e todos os habitantes de Djajaperre, o que importa mesmo, não é saber o motivo que a levou durante anos, viver presa em um mundo frio e distante, mas sim a razão que a fez sair de vez daquela prisão de gelo: o amor pela arte e pela vida!

 

 

 

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